terça-feira, 9 de dezembro de 2014

REPROVAR NÃO É SOLUÇÃO, MAS APROVAR QUEM NÃO APRENDEU É PIOR

Uma escola não é boa porque não reprova. A escola é boa quando todos os alunos aprendem e, por isso, nem precisa haver reprovações.

De fato, a reprovação é hoje muito questionada. Afinal, fazer os estudantes repetirem o ano inteiro para ver os mesmos conteúdos outra vez é uma solução ultrapassada, cômoda, cara e ineficiente. Países com alta qualidade de ensino encontraram alternativas que funcionam melhor e de forma preventiva, como, por exemplo, aulas de reforço ao longo do ano. Na Finlândia, os professores são orientados a dedicar mais tempo aos alunos que têm mais dificuldades. Resultado: a taxa de reprovação é de 2% e o índice de conclusão da educação básica é de 99,7%. Em Hong Kong, quando um professor tem mais de 3% dos alunos com baixo desempenho, uma comissão vai avaliar o trabalho do docente.

Já o Brasil é um dos países que mais reprovam. No ensino médio o índice chega a 13,1%. São quase 3 bilhões de dólares/ano gastos além do necessário, só nos anos finais da escolaridade. O pior é que, como mostram as pesquisas qualitativas e quantitativas, há grande relação entre repetência e evasão.

Não é à toa que o estudo recém-divulgado pelo Todos pela Educação mostra que apenas 54% dos jovens brasileiros conseguem concluir o ensino médio até os 19 anos. Dos jovens entre 15 e 17 anos, um a cada cinco ainda está no ensino fundamental, acumulando reprovações. E 15,7% abandonaram o estudo, certamente depois de experiências de fracasso escolar.

Da constatação de que reprovar não resolve nossos problemas, a tomar a decisão de implementar um sistema de progressão continuada, sem as devidas melhorias na rede de ensino, o salto é arriscado demais. E o que é grave: muitos estados e municípios confundem esse conceito com o de “aprovação automática”. Na aprovação automática, se o aluno aprendeu, vai para a série seguinte; se não aprendeu, vai também. Consequência: o caos. Já a progressão continuada é um conceito diferente, constitui um alargamento dos ciclos escolares.

Trocando em miúdos: as escolas estruturam os períodos de aprendizagem em etapas de um ano, ou 200 dias letivos. Ora, certas competências podem levar mais tempo para se desenvolver, e poderíamos organizar essa “trilha de aprendizagem” em períodos diferentes. Percebe-se que a divisão das etapas de desenvolvimento em 12 meses é arbitrária e poderíamos usar outras medidas, como 24 ou 36 meses, por exemplo, dependendo do planejamento.

Na escola da sociedade industrial, entendida como fábrica, os “produtos” com defeito são mandados de volta para o início da linha de produção ou descartados. Já a progressão continuada parte do princípio de que a escola não produz pessoas “em série” e o trabalho deve ser personalizado. Baseia-se no princípio de que todos os alunos são capazes de aprender, mas têm ritmos diferentes. Assim, é injusto interromper os percursos em dezembro e exigir que alguns recomecem do zero, como se não tivesse havido nenhuma evolução. Quando bem aplicada, essa lógica ajuda a criança a manter-se na escola e não desistir.

Se, em si, a progressão continuada pode ser uma alternativa, por que os indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) continuam baixos mesmo nas redes que a adotaram?

Primeiro, porque há descontinuidade entre os professores das diversas séries. Alguns reclamam que o aluno “chegou sem base”, o que indica a falta de um trabalho integrado. Os registros das lacunas de aprendizagem dos estudantes inexistem ou são falhos. Faltam processos de avaliação continuada para conhecer os problemas e definir novas estratégias didáticas.

Além disso, as famílias não compreendem como isso funciona. Alguns pais procuram a escola e reclamam que a criança passou “sem saber nada”. Os professores não têm suficiente preparação para as novas práticas e, com frequência, não concordam com o modo como o sistema é implantado – até porque, não raro, são constrangidos a aprovar os estudantes compulsoriamente.

Ainda assim, a progressão continuada poderia funcionar melhor. Para começar, os professores precisam acreditar no modelo; para tanto, deveriam ser convidados a participar de sua construção e das mudanças que implica. É decisivo envolver as famílias, sobretudo no caso do ensino fundamental, capacitando-as para participar da vida escolar e reforçar o trabalho em casa. Os alunos devem ser acompanhados com registros cuidadosos, a partir de avaliações permanentes, que detectem lacunas e necessidades de correção. Há que desenhar um plano de reforço específico para alunos com mais dificuldades.

Sem isso, o problema vira uma bola de neve. O aluno vai sendo jogado para a etapa seguinte sem saber a matéria e depois a escola não sabe muito bem o que fazer com ele, porque formou um analfabeto funcional.

A fragilidade do modelo aparece no Ideb, que cruza números de aprovação com desempenho. Não adianta ter todos os estudantes nos anos finais da escola, se eles não conseguem responder às questões das provas. É isso o que vem acontecendo nas últimas medições: alta aprovação, mas baixo rendimento.
*Foto: AJ Photo/BSIP

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